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A Linguagem que Abriga: Como Pequenas Mudanças no Vocabulário Criam Grandes Espaços de Inclusão

Nós, seres humanos, temos um poder extraordinário em nossas mãos que muitas vezes subestimamos: o poder da palavra. Usamos a linguagem para nos comunicar, para descrever o mundo e, de forma menos óbvia, para moldar a própria realidade. Cada palavra que escolhemos é um tijolo na construção de nossa sociedade. Ela pode ser usada para erguer pontes de entendimento ou para levantar muros de separação. A boa notícia é que não precisamos de grandes discursos ou mudanças radicais para fazer a diferença. A chave para a inclusão genuína, muitas vezes, começa com pequenas e conscientes alterações em nosso vocabulário diário.

A linguagem não é neutra. Ela é carregada de história, de preconceitos e de convenções sociais que foram construídas ao longo do tempo. Palavras que nos parecem inofensivas, como “mancada” (de manco), “maluco” ou “idiota”, têm origens que patologizam a diferença e desumanizam aqueles com deficiências intelectuais ou mentais. Usá-las de forma automática reforça, ainda que inconscientemente, um sistema de pensamento que invalida a experiência do outro. Da mesma forma, expressões como “não tenho braço para isso” ou “estou cego para a situação” reduzem as condições físicas e sensoriais de milhões de pessoas a meras metáforas para a incompetência.

A mudança para uma linguagem mais inclusiva começa com a sensibilidade. Um dos primeiros passos é adotar a chamada “linguagem de pessoa primeiro”. Em vez de dizer “o deficiente”, dizemos “a pessoa com deficiência”. A troca sutil na ordem das palavras é, na verdade, uma inversão de prioridade: a pessoa vem antes da sua condição. A deficiência não a define, mas é apenas uma de suas muitas características. Esse simples ato de priorizar a individualidade já é um gesto de respeito.

Da mesma forma, a linguagem tem sido um campo de batalha para a inclusão de identidades de gênero diversas. Pessoas não binárias, que não se identificam como homem ou mulher, têm expressado a necessidade de serem reconhecidas por pronomes que não sejam exclusivamente “ele” ou “ela”. O uso de pronomes neutros como “elu/delu” ou o termo “todes” para se referir a um grupo misto é, para muitos, um sinal de reconhecimento e aceitação. A nossa língua, por sua natureza binária, ainda luta para se adaptar a essa realidade. No entanto, o esforço em perguntar o pronome de uma pessoa e usá-lo corretamente é um ato de empatia que cria um ambiente seguro, um refúgio para quem se sente invisível.

A linguagem que abriga não é apenas um conjunto de regras; é uma prática de empatia. É o reconhecimento de que, ao nos comunicarmos, temos a oportunidade de construir ou destruir. Ela nos convida a sermos mais conscientes e a menosprezarmos o impacto de nossas escolhas. Significa ter a humildade de perguntar a uma pessoa como ela prefere ser chamada ou tratada, e de corrigir-se quando cometer um erro. Esse é um pequeno preço a pagar pela oportunidade de fazer com que alguém se sinta visto, respeitado e, finalmente, incluído.

Em um mundo onde as divisões parecem cada vez mais profundas, a linguagem é a ferramenta que temos para construir pontes. Uma pequena mudança no nosso vocabulário pode abrir uma porta para o diálogo e para a compreensão. Ela transforma o nosso “eu” em um “nós” e reafirma que, apesar de nossas diferenças, compartilhamos o mesmo espaço e a mesma humanidade.

Afinal, a forma como falamos uns com os outros é um reflexo direto de como somos. A pergunta que resta é: o que a nossa linguagem está construindo hoje?

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